Guardians of Freedom

“Brazil, my nigga

you let me tell

a story that history doesn’t tell

of a place itself the opposite

in the fight that’s where we meet”

Samba Plot of Mangueira, 2019

In order to confront the mystery of existence, the Human Being makes use of three essential tools, arisen from fear and curiosity: science, religion and art. They respond to the anxieties of a species which seeks to innovate, research and create so as to have answers concerning what transcends the real. Artistic objects are situated in a confluence between technique and poetry and they are, at the same time, children of science and incorporations of cult and faith, acting as fundamental elements in religious rites.

Throughout history, art and religion function as complementary actions, the one feeding upon the other, settling values and subverting concepts. In Brazil, the European colonizers brought their images and implanted in our midst the curves and folds of the Baroque, an art of imperfection, a God-fearing one. Subsequently, with the arrival of millions of enslaved people, new images appeared, originating from cults of faith which were persecuted and driven to the deviations of marginality. The works produced by Josafá Neves for this exhibition reveal the potency of images despised by our official discourse. Here there is no room for accommodations, for conciliatory discourses, which seek to create a false idea of harmony and integration in a country constituted in its majority by mestizos, children of the rape of black women by the white man.

Brazilian art history, written by white men, is the picture of this deliberately obliterated image, which ignores the art and the culture arriving from Africa only to appraise the European presence as the single matrix of knowledge and wisdom. Even in the recent past, the presence of black artists within Modernism – still limited – is only justified through critical discourses, which associate such artists with strategies from the Naïf movement or with European constructivist movements, despising the geometry present in African totems, rites, masks and bodies. Brazilian art history reflects the image of a country which does not recognize itself, which does not identify itself as a multi-ethnical nation.

At this sad moment of our national life, in which religion, an essential phenomenon for human communion, is assaulted by intolerance and hatred, the exhibition “Orishas”, by Josafá Neves, is a landmark for acknowledging the strength of the art and culture of African origin. And it shall function as an identifying element, so that African descendants may identify themselves with it and keep the fight for the defence of their rights and their full citizenship. Some symbolic aspects are worthy of note: the museum, designed by Niemeyer, is a huge house, a huge oca (a Brazilian Indian hut) and, displayed on its mezzanine, on the highest exhibition room of the place, the orishas seem to receive its visitors at their own house, creating an enchanting atmosphere of beauty and admiration, of meeting with our own mirror, with what was attempted to be stolen from us, but which endures within us as a relic and now opens itself in chants of plentifulness. Over the walls, the pictorial symbology of the sixteen orishas synthetized by the artist pays homage to Rubem Valentim, a fundamental reference in the construction of the black cultural identity in Brazil. In the centre, the imposing Shango receives them all as a true host and master of wisdom and culture.

On the ground floor, at an area of more intimate character, the artist displays sixteen ceramics heads with the symbology and colours of each orisha, manufactured in the city of Tracunhaém, an important pole of craftmanship and popular art in the state of Pernambuco. On each extremity, Oshun and Our Lady of Aparecida, a remarkable example of Brazilian religious syncretism, assert their blackness and allude to the saga of violence against black women in Brazil. From Anastácia the gagged slave to Marielle Franco, a black woman assassinated for defending freedom, the yell which does not fall silent is one of pain, indignation and revolt. How long will this country insist on not acknowledging the violence against its own people? How long will we be lambs of an appeasing discourse, which only attends to interests that aim at the maintenance of privileges, in a society divided by colour?

For its intrinsic qualities and for its necessary presence at the current political and cultural moment of our country, the exhibition “Orishas” marks an important occasion in the construction of an aesthetics which reflects the complexity and diversity of Brazilian artistic manifestations, and the Museum of the Republic in Brasília must be acclaimed for such protagonism and for allowing that this event initially occur in the capital of the country. Art history in Brazil starts to reflect what we truly are. Within art, cultural contamination always occurred. Cubism, as we know, is also a direct fruit of African art, of its masks of a strong religious appeal and formal simplification. Josafá Neves, in turn, contaminates his works with expressionist references, with elements originating from Western Concretism, associating them with archetypical signs and formal solutions present in African sculpture and body painting. This is the dance, this is the chant, this is the essence of the art which Josafá Neves delivers to us as an offering. Ashé! 

Marcus de Lontra Costa  

São Paulo, January, 2020.

Guardiões da Liberdade

“Brasil, meu nego

deixa eu te contar

a história que a história não conta 

o avesso do mesmo lugar

na luta é que a gente se encontra” 

 Samba Enredo Mangueira 2019 

 

Para enfrentar o mistério da existência, o Ser Humano se vale de três ferramentas essenciais, surgidas do medo e da curiosidade: a ciência, a religião e a arte. Elas respondem aos anseios de uma espécie que busca inovar, pesquisar e criar para obter respostas àquilo que transcende o real. Os objetos artísticos situam-se na confluência entre a técnica e a poesia e são, ao mesmo tempo, filhos da ciência e corporificações do culto e da fé, atuando como elementos fundamentais nos ritos religiosos.  

 

Ao longo da história, arte e religião atuam como ações complementares, uma alimentando a outra, sedimentando valores e subvertendo conceitos. No Brasil, o colonizador europeu trouxe as suas imagens e implantou entre nós as curvas e dobras do Barroco, arte da imperfeição, temente a Deus. Posteriormente, com a chegada de milhões de pessoas escravizadas, surgem novas imagens, oriundas dos cultos da fé que foram perseguidos e direcionados para os desvios da marginalidade. As obras produzidas por Josafá Neves para essa exposição revelam a potência de imagens desprezadas pelo discurso oficial. Aqui não há espaço para acomodações, para discursos conciliatórios, que busquem criar uma falsa ideia de harmonia e integração social num país majoritariamente formado por mestiços, filhos do estupro de mulheres negras por parte do homem branco.  

 

A história da arte brasileira, escrita por homens brancos, é o retrato dessa imagem deliberadamente obliterada, que ignora a arte e a cultura vindas da África para valorizar tão somente a presença europeia como única matriz de conhecimento e saber. Mesmo no passado recente, a presença de artistas negros no modernismo – ainda reduzida – é justificada somente através de discursos críticos, que associam tais artistas a estratégias do movimento ​Naif ​ ou a movimentos construtivistas europeus, desprezando a geometria presente nos totens, nos ritos, nas máscaras e nos corpos africanos. A história da arte brasileira reflete a imagem de um país que não se reconhece, que não se identifica como nação multiétnica.  

 

Nesse triste momento da vida nacional, onde a religião, fenômeno essencial para a comunhão humana, é assaltada pela intolerância e pelo ódio, a mostra “Orixás”, de Josafá Neves, é um marco para se reconhecer a força da arte e da cultura de origem africana. E ela há de atuar como elemento identificador, para que os afrodescendentes se identifiquem e permaneçam na luta em defesa de seus direitos e de sua plena cidadania. Alguns aspectos simbólicos merecem destaque: o museu projetado por Niemeyer é uma grande casa, uma grande oca e, apresentados no mezanino, no mais alto espaço expositivo do local, os orixás parecem receber os visitantes em sua própria casa, criando uma atmosfera encantada de beleza e admiração, de encontro com o nosso próprio espelho, com aquilo que tentaram nos roubar, mas que resiste em nós como relíquia e que agora se abre em cantos de plenitude. Nas paredes, a simbologia pictórica dos dezesseis orixás que o artista sintetiza homenageia Rubem Valentim, referência fundamental na construção da identidade cultural negra no Brasil. No centro, o imponente Xangô a todos recebe como verdadeiro anfitrião e mestre do saber e da cultura. 

 

No térreo, numa área de característica mais intimista, o artista apresenta dezesseis cabeças em cerâmica com a simbologia e cores de cada orixá, produzidas na cidade de Tracunhaém, importante polo de artesanato e arte popular no estado de Pernambuco. Em cada extremidade, Oxum e Nossa Senhora Aparecida, exemplo marcante do sincretismo religioso brasileiro, afirmam a sua negritude e aludem à saga de violência contra as mulheres negras no Brasil. Da escrava Anastácia amordaçada até Marielle Franco, mulher negra assassinada por defender a liberdade, o brado que não se cala é de dor, indignação e revolta. Até quando esse país insistirá em não reconhecer a violência contra seu próprio povo?  Até quando seremos cordeiros de um discurso apaziguador, que atende somente a interesses que visam a manutenção de privilégios, numa sociedade dividida pela cor? 

 

Por suas qualidades intrínsecas e por sua necessária presença no atual momento político e cultural do país, a mostra “Orixás” marca um momento importante na construção de uma estética que reflita a complexidade e a diversidade das manifestações artísticas brasileiras, e é preciso aplaudir o Museu da República de Brasília por esse protagonismo e por permitir que esse evento ocorra inicialmente na capital do país. A história da arte no Brasil começa a refletir o que somos na verdade. Na arte, a contaminação cultural sempre ocorreu. O cubismo, como sabemos, é também fruto direto da arte africana, de suas máscaras de forte apelo religioso e simplificação formal. Josafá Neves, por sua vez, contamina suas obras com referências expressionistas, com elementos oriundos do concretismo ocidental, associando-os aos signos arquetípicos e a soluções formais presentes na escultura e na pintura corporal africana. Essa é a dança, esse é o canto, essa é a essência da arte que Josafá Neves nos entrega como oferenda. Axé! 

Marcus de Lontra Costa  

São Paulo, janeiro de 2020.

Bonjour,

Suite à votre invitation pour le vernissage d’Orixàs à la maison du Brésil.Je vous transmet le lien pour voir l’article que l’on a écrit.
Bien à vous.
Jeddaoui Souheil
Département communication Little Africa
Orixas
 

La Maison du Brésil présente l’exposition “Orixás”, de l’artiste brésilien Josafá Neves, qui sera exposée entre le 11 mai et le 16 juin 2018, à la Salle Lúcio Costa.

 

Dans cet échantillon, l’artiste, basé sur une recherche approfondie sur la mythologie Yoruba et l’influence qu’il exerce sur la géométrie sensible de Rubem Valentim, il apporte la symbologie et les couleurs pertinentes à chacun des 16 orixás les plus vénérés au Brésil.

 

Pour Josafá Neves, montrer cette vision du monde des symboles sacrés des traditions religieuses des matrices africaines, à travers l’art, c’est affirmer la diversité humaine et l’altérité, les constructions théoriques qui, dans cette contemporanéité, ont besoin d’une concrétisation.

Orixás

A Maison du Brésil apresenta a exposição “Orixás”, do artista brasiliense Josafá Neves, que será exibida entre 11 de maio e 16 de junho de 2018, na Sala Lúcio Costa.

Nesta amostra, o artista, a partir de uma ampla pesquisa sobre a mitologia iorubana e, ainda, a influência que carrega da geometria sensível de Rubem Valentim, traz a simbologia e cores pertinentes a cada um dos 16 orixás mais cultuados no Brasil.

Para Josafá Neves, mostrar essa cosmovisão de símbolos sagrados das tradições religiosas de matrizes africanas, por intermédio da arte, é afirmar as diversidades humanas e alteridade, constructos teóricos que, nesta contemporaneidade, precisam ter uma concretude.